Na África, as crianças representam a certeza da continuidade, por isso os pais consideram seus filhos sua maior riqueza. A preocupação com o sustento das crianças é frequente entre todas as aldeias , haja vista a miséria das cidades africanas.
A palavra Ibeji, quer dizer gêmeos e o Orixá Ibeji é o único permanentemente duplo. Formam a partir de duas entidades distintas que coo-existem, respeitando o princípio básico da dualidade.
Entre os Deuses Africanos, Ibeji é o que indica a contradição, os opostos que caminham juntos a dualidade de todo o ser humano., Ibeji mostra que todas as coisas, em todas as circunstâncias, tem dois lados e que a justiça só pode ser feita se as duas medidas forem pesadas e os dois lados forem ouvidos.
Na África, Ibeji é indispensável nos cultos. Merecem o mesmo respeito que as outras divindades do panteão, sendo cultuado no dia à dia.
Ibeji não exige nada complexo dos seus filhos, seus pedidos são sempre modestos, o que esperam como todos os Orixás, é serem lembrados e cultuados. O poder de Ibeji jamais pode ser negligenciado, pois o que um Orixá faz Ibeji pode desfazer, mas o que Ibeji faz, nenhum Orixá desfaz.
Existe uma confusão latente entre o Orixá Ibeji e os Erês.
Os erês são guias ou entidades (espíritos) que, no ritual de Umbanda, apresentam-se como crianças.
A palavra Erê vem do iorubá e significa brincar. São espíritos que já estiveram encarnados na terra ou não, sendo chamados de encantados, que encontraram na Umbanda um meio para sua evolução espiritual através do amor, da caridade ao próximo, incorporando em médiuns nos terreiros. Esses espíritos infantis são a verdadeira expressão da alegria, da espontaneidade, da pureza, da inocência e da ingenuidade da criança. Quando chegam a um terreiro, transformam o ambiente em pura alegria com seu grande poder de renovação. Sua maior força está no próprio amor e, embora sejam puros e inocentes, não são tolos e logo identificam os erros e falhas humanos.
Assim como todos os servidores dos Orixás, elas também tem funções bem específicas, e a principal delas é a de serem os mensageiros dos Orixás. Sendo extremamente respeitados pelos caboclos e pelos pretos-velhos. É uma falange de espíritos que assumem o arquétipo infantil. Como no plano material, também no plano espiritual, a criança não se governa, tem sempre que ser tutelada.
Como o Orixá não fala, são eles quem vem para dar os recados dos pais. Normalmente são irrequietos, barulhentos, às vezes brigão entre si, alguns adoram água e aquela famosa meleca, outros detestam sujeira e bagunça. Nas festas se não forem contidos podem literalmente botar fogo no mar.
Quando incorporados nos médiuns, gostam de brincar, correr e fazer brincadeiras (arte) como qualquer criança. É necessário muita concentração do médium para não deixar que estas brincadeiras atrapalhem que a mensagem seja transmitida.
Os meninos são em sua maioria mais bagunceiros, enquanto que as meninas são mais quietas e calminhas. Alguns deles incorporam pulando e gritando, outros descem chorando, outros estão sempre com fome…
Muitas entidades que atuam sob as vestes de um espírito infantil, são sempre amigas e têm mais poder do que imaginamos.
Como não são levadas muito a sério, o seu poder de ação fica oculto, são conselheiros e curadores, por isso foram associadas à Cosme e Damião, curadores que trabalhavam com a magia dos elementos.
Eles manipulam as energias elementais e são portadores naturais de poderes que são encontrados nos próprios Orixás que os regem. Estas entidades são a verdadeira expressão da alegria e da honestidade, dessa forma, apesar da aparência frágil, são verdadeiros magos e conseguem atingir o seu objetivo com uma força imensa. Atuam em qualquer tipo de trabalho, porém são mais procurados para os casos de relacionamentos familiares.
A Falange das Crianças é uma das poucas falanges que consegue dominar magias. Embora as crianças brinquem, dancem e cantem, exigem respeito para o trabalho, pois atrás dessa vibração infantil escondem espíritos com conhecimentos extraordinários.
Imaginem uma criança com menos de sete anos possuir a experiência e a vivência de um ser mais velho e ainda assim gozar da imunidade própria dos inocentes. Faz tipo de criança pedindo chupetas, bonecas, bolinhas de gude, doces, balas, bolinhas de sabão e refrigerante tratando a todos como tio e tia, vô e vó.
Os erês são responsáveis pela limpeza espiritual do terreiro. Fazendo em sua maioria sem que ninguém saiba ou perceba.
Itan de Ibeji
Existiam no reino um casal de príncipes gêmeos que traziam sorte a todos. Os problemas mais difíceis eram resolvidos por eles, em troca, pediam doces, balas e brinquedos.
Esses meninos faziam muitas traquinagens e, um dia, brincando próximos a uma cachoeira, um deles caiu no rio e morreu afogado.
Todos no reino ficaram muito triste pela morte do príncipe.
O gêmeo que sobreviveu não tinha mais vontade de comer e vivia chorando de saudades do seu irmão.
Pedia sempre a Orunmilá que o levasse para perto do irmão. Sensibilizado pelo pedido, Orunmilá resolveu levá-lo para se encontrar com o irmão no Orun, deixando na terra duas imagens de barro. Para lembrar da existência dos príncipes e do amor que sentia um pelo o outro.
Ibeji enganam Ikú (A morte)
Um dia Ikú resolveu concentrar sua colheita em uma única aldeia. Tudo começou a dar errado. As lavouras ficaram inférteis, as fontes e correntes de água secaram, tudo o que era bicho de criação definharam. Não havia mais o que comer e beber. No desespero da sobrevivência, as pessoas passaram a brigar entre si, ninguém se entendia, tudo virava guerra. As pessoas começaram a morrer aos montes.
O rei mandou muitos emissários falar com Ikú, mas sempre respondia que não fazia acordos. Mandou dizer ao rei, por fim:
– Eu não irei parar e não tem ninguém que me faça parar. Essa é minha vontade.
Todos que iam falar com Ikú jamais retornaram saudáveis.
Quem se atreveria a enfrentar Ikú?
Se até os mais valentes guerreiros estavam mortos ou sucumbiam a pestes.
Foi então que dois meninos, os Ibejis, Taió e Caiandê, que diziam ser filhos de Ifá, resolveram pregar uma peça em Ikú.
Os meninos pegaram seus tambores mágicos, que faziam a todos dançar enquanto tocavam e saíram a procura de Ikú.
Não foi difícil achá-la numa estrada próxima, por onde ela perambulava em busca de mais vítimas. Sua presença era anunciada do alto, um bando de urubus que sobrevoavam a incrível peçonhenta.
Os meninos se esconderam numa moita e, tapando o nariz com um lenço por causa do seu fedor, esperaram que ela se aproximasse. Não tardou e Ikú foi chegando. Os irmãos tremeram da cabeça aos pés. Ainda escondidos na moita, só de olhar sentiram os pelos se arrepiarem.
Num determinado momento, numa curva do caminho, enquanto um dos irmãos ficava escondido, o outro saltou do mato para a estrada, a poucos passos de Ikú com o seu tambor mágico e começou a tocar. Tocava sem parar com todo o seu vigor e alegria. Toda determinação e vontade, como se nunca tivesse tocado antes.
Ikú se encantou com o ritmo do menino. Com seu jeito desengonçado, Ikú ensaiou um dança sem graça.
O espetáculo era grotesco, a dança da Morte, era no mínimo, horrenda.
Passou uma hora, duas… quatro horas tocando e o menino não fazia nenhuma pausa, Ikú começou a cansar.
O sol se punha e os dois seguiam pela estrada e o tambor sem parar, tá tá tra tá tum tá tá tatá trum tum…
O dia deu lugar à noite e o tambor sem parar, tá tá tra tá tum tum trum tá.
Pela madrugada o menino tocava e Ikú dançava. O menino ia na frente, sempre ligeiro e brincalhão, Ikú seguia atrás, exausta e falecida dizia:
– Pára de tocar, moleque, vamos descansar um pouco… Dizia aos berros e ele não parava.
– Pára essa porcaria de tambor, moleque, ou irá me pagar com a vida… ela ameaçou mais de uma vez.
Taió e Caiandê eram gêmeos idênticos. Ninguém sabia diferenciar um ao outro, muito menos Ikú. Uma hora tocava Taió, enquanto Caiandê seguia por dentro do mato. Quando Taió estava cansado, Caiandê aproveitando um curva da estrada substituía o irmão no tambor.
Os gêmeos se revezavam e a música não parava, nem por um minuto. Mas Ikú, coitada, não tinha substituto.
Ela já nem respirava. – Pára, pára, menino miserável… Mas o menino não parava.
E assim foi, por dias. Até os urubus já tinham deixado de acompanhar Ikú, preferindo pousar na copa de umas árvores secas.
E o tambor sem parar, tá tá tra tá tá tá tum trum tum, uma hora Taió, outra hora Caiandê.
Por fim, não aguentando mais, gritou:
– Pára com esse tambor maldito e eu faço tudo o que me pedir.
O menino virou-se para trás e disse:
– Pois então vá embora e deixe a minha aldeia em paz.
– ACEITO, berrou quase caindo ao chão.
O menino parou de tocar e ouviu a Morte dizer:
– Ah! Que derrota! Ser vencida por um maldito pirralho. Então ela virou e sumiu dali ainda resmungando…
Tocando e dançando, os gêmeos voltaram para a aldeia para dar a notícia. Foram recebidos de braços abertos.
Em pouco tempo, a vida voltou ao normal no povoado, a saúde retornou às casas e a alegria reapareceu nas ruas.
Muitas homenagens foram feitas aos valentes Ibejis. Mesmo depois do ocorrido, sempre que Taió e Caiandê passavam na direção da feira, havia sempre alguém que comentava:
– Olha os gêmeos que nos salvaram. Que a lembrança de sua valentia nunca se apague de nossa memória.